Incêndio no Hospital de Bonsucesso – o que podemos aprender com a crise.

Um incêndio atingiu na manhã do dia 27 de outubro, o Prédio 1 do Hospital Federal de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro. 

A pedido da comunidade Cultura de Segurança, o especialista em prevenção e combate a incêndios, Wesley Pinheiro, pondera sobre questões de prevenção de incidentes e processos de comunicação que poderiam ter resultado numa ação mais efetiva durante o incêndio no hospital no Rio de Janeiro.

Wesley foi responsável, por 10 anos, pela Brigada de Incêndio da COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é responsável por treinar brigadas de incêndios de empresas como Caixa Econômica, Banco do Brasil, Petrobras, BNDES, entre outras.

Prevenção e combate a incêndio como prioridade na gestão de risco das empresas.  

No Brasil, a prevenção de incêndio nas empresas, infelizmente, não é tão bem cuidada se comparada a segurança patrimonial. As áreas de Gestão de Risco pensam mais em segurança patrimonial do em que segurança contra incêndio. Muitas vezes comparam a segurança contra incêndio como custo. No entanto, nos últimos tempos, percebemos que incêndios estão sendo cada vez mais frequentes, com perdas e danos inestimáveis.

A cada valor investido em prevenção, se economiza nos possíveis danos causados pelos incêndios, que acontecem justamente por falta de pessoas dedicadas e investimentos para prevenção.

Levando-se em conta que aproximadamente 88% dos municípios brasileiros não possuem Corpo de Bombeiro, muitas empresas seguem o mau exemplo e não cuidam e nem se preocupam com o fato.

É comum encontrar em uma edificação diversos agentes de segurança e às vezes nenhuma equipe de bombeiro civil ou alguém que, de fato, cuide da segurança contra incêndio. E quando encontramos, ele possui várias outras atividades, como supervisão da segurança do local. 

Muitas empresas sequer possuem aprovação do corpo de bombeiros. E as empresas que possuem, não fazem manutenção nos equipamentos instalados. Na área de incêndio, todos os detalhes precisam ser observados e estarem funcionando, pois um depende do outro, para o êxito de medidas de prevenção, bem como as ações de combate a incêndio. 

Critérios de planejamento e de comunicação.

Os critérios mínimos para a criação de um plano de resposta a emergência, para a qual existem diversas nomenclaturas, sendo a mais recente chamada de Plano de Emergência Contra Incêndio, é levar em conta primeiramente o risco nas instalações da empresa para propor pontos de melhoria, investimento e tipos de treinamento adequados. O plano pode ser estender a um percentual de pessoas, como também a participação de auxílio de empresas próximas, que chamamos de PAM – Plano de Auxílio Mútuo, bem como até mesmo o envolvimento da desocupação da comunidade vizinha, que chamamos de Appel – Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level (Conscientização e Preparação para Emergências em Nível Local). A ABNT, inclusive, publicou em 2020 a norma de Plano de Emergência NBR 15219 que estava em processo de revisão.

Quando falamos sobre a estruturação de um plano de comunicação e resposta a emergência, são necessárias reuniões e visitas para que haja um alinhamento nas informações prestadas pelas empresas – o que pretendem com as medidas protetivas, por exemplo – principalmente para que os especialistas consigam expor e deixar claro todas as ações que precisam ser tomadas. Tudo, obviamente, registrado em ata, para que se possa avaliar o que foi proposto e efetivamente implementado no caso de um sinistro real.

A comunicação em uma emergência tem que ser precisa e objetiva, com utilização de códigos compartilhados, por meio de pessoas que estejam envolvidas diretamente e indiretamente no atendimento da emergência, para que não haja ruído e desespero.

Um ponto importantíssimo na comunicação é a necessidade de identificação de quem está se está enviando as comunicações de forma a evitar conflitos, erros e possíveis sabotagens no processo. Além disso, não há necessidade de compartilhamento de informação sobre o tipo de emergência e o local atingido para as pessoas em geral, fora do time de crise. Tais informações serão repassadas posteriormente pelo gestor, após toda uma criteriosa avaliação, para inclusive evitar que informações não concretas sejam espalhadas, podendo vazar e virar fake news, bem como o cuidado de permitir que apenas os representantes autorizados devem se comunicar com a imprensa.

Treinamento de funcionários para prevenção ou durante uma crise.

A questão do treinamento vai depender das análises de risco, feitas no início, podendo observar como critério mínimo a NBR 14276 da ABNT que trata da composição, treinamento e atividades das brigadas de incêndio.

Muitas empresas costumam enviar funcionários terceirizados para o treinamento, evitando tirar o colaborador próprio do setor de trabalho, mas existe o risco de rodízio de funcionários da terceirizada, bem como a troca da empresa prestadora, podendo a empresa ficar com ninguém treinado no site.

Os treinamentos devem ser realizados por profissionais experientes, com capacidade e credenciamento, de preferência que tenham exercido atividades de treinamento desenvolvidas em empresas do mesmo ramo e que saibam entender e falar a linguagem local. Importante fazer exame médico nos participantes (simples e complementares), bem como ter seguro de acidentes, trajeto (para treinamentos externos) e de responsabilidade civil. Fundamental ter listas de presença, prova com nota e avaliação do treinamento, assim como o perfil de cada funcionário que será treinado, como: ser fixo da edificação, ser comunicativo, ser voluntário para a realização do treinamento, etc.

Muitas ocorrências são mal atendidas porque normalmente um percentual mínimo de pessoas da empresa são treinadas. As empresas precisam ter programas de treinamento de emergência ou, pelo menos, um treinamento de conscientização para que todos os colaboradores possam entender as normas internas de segurança e suas atribuições no caso da ocorrência de uma crise para, se necessário, saber que devem parar de trabalhar, como formar uma fila, respeitar as orientações da equipe de emergência do setor, sair em ordem, sem pânico, sem correr ou gritar, sem usar o celular, segurar no corrimão quando houver escadas, ir para o ponto de encontro, ficar em fila e, por fim, aguardar orientações quanto ao retorno.

Preparação para o enfrentamento de crise.

O que se observou no caso do Hospital Federal de Bonsucesso foi bastante improviso durante a emergência, contando muito mais com a boa vontade das pessoas em ajudar, do que um procedimento coordenado, que se tivesse sido bem ensaiado antes, poderia ter sido feito em menos tempo e com mais eficiência.

Por isso, dentro de um planejamento de segurança para prevenção a incêndio, são fundamentais equipamentos e sistemas proteção e alerta, como alarme sonoro, sistema de iluminação e sinalização de emergência, rotas de fuga, portas corta fogo, detecção de incêndio, para-raios, equipamentos de proteção individual e proteção respiratória, materiais de arrombamento, iluminação e comunicação, sistema de hidrantes e sprinklers, entre outros sistemas especiais de proteção para inflamáveis e áreas de elétricos sensíveis. E todos estes, depois de instalados precisam ser operados por alguém treinado e com um plano de manutenção periódica dos mesmos.

Sem contar o treinamento de funcionários voluntários no curso de resposta a emergência, de acordo com o risco local, que podemos chamar de brigada de incêndio ou brigada de emergência. Como já mencionado anteriormente, vale salientar a importância de uma equipe de bombeiros civis no local, para evitar que o fogo aconteça através de medidas de prevenção, bem como o combate ao princípio de incêndio até a chegada do corpo de bombeiros, evitando que o fogo vire um incêndio.

Impacto no Hospital Federal de Bonsucesso.

O HFB é um dos principais hospitais da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, num local estratégico próximo a Avenida Brasil, ligando a cidade do Rio com demais cidades do Estado, principalmente a Baixada Fluminense, o que faz do hospital uma referência em serviços de média e alta complexidade a toda a população do estado.

É o maior hospital da rede pública do Estado do Rio de Janeiro em volume geral de atendimentos mensais, com cerca de 15 mil consultas ambulatoriais, 1,3 mil internações, 1,2 mil atendimentos de emergência, 120 mil exames laboratoriais e 5 mil exames de imagem. O HFB possui uma equipe de mais de 5 mil funcionários. 

O impacto do incêndio vai ser sentido diretamente na capacidade de atendimento da população da cidade, além de exigir um alto investimento para sua recuperação

E Wesley Pinheiro finaliza: “Tivemos a notícia que o hospital deverá fechar totalmente, de forma temporária. Isso pode servir como um alerta e exemplo para outras empresas e hospitais, que o mais barato é investir em prevenção.”

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