Desde pequeno, sempre fui praticante de esportes, fosse por influências dos meus pais, fosse por vontade própria. Como a variedade era muito grande, aprendi vários, mas nunca fui “craque” em nenhum.
Praticar esporte sempre foi uma diversão, praticava porque era legal, porque fazia bem para minha cabeça, porque podia estar com os amigos, viajar, etc.
Na minha vida profissional, naturalmente a minha carreira no banco foi direcionada a lidar com problemas.
Quando trabalhava no varejo, pela forma como eu lidava com os problemas e retornava aos clientes, acabei ficando responsável por tratar as demandas que os clientes registravam no SAC a respeito da agência.
Isso me levou a atuar na equipe do SAC do banco, lidando diretamente com os clientes e suas reclamações.
Como uma coisa leva a outra, acabei sendo chamado para participar da montagem do atendimento SAC de seguros e previdência, e por fim, cheguei ao time de Gestão de Crises.
Sempre achei que esse caminho foi trilhado de forma natural, visto a minha habilidade em lidar com situações inesperadas, críticas e que precisavam de respostas rápidas, mas hoje, após quase 20 anos de empresa, sendo mais de 5 anos na Gestão de Crises, posso dizer que não foi por acaso que minha carreira tomou esse rumo.
Hoje, posso afirmar que todo o tempo que passei dentro do esporte me levou a esse caminho.
O esporte desenvolve todas as habilidades necessárias para lidar com situações de crises, em todas as suas fases: pré-crise (planejamento), crise (ação) e pós-crise (rescaldo).
Sejam eles individuais ou coletivos, todos trazem importantes ensinamentos para lidar com essas situações.
Eu pratiquei futebol, vôlei, hóquei, esgrima, basquete, canoagem, mas dentre todos, eu considero que os dois abaixo concentram grande parte dessas habilidades e conhecimentos adquiridos:
Rugby: esporte coletivo, que exige muito do físico. O Rugby são várias crises acontecendo seguidamente ou, até mesmo ao mesmo tempo, que exigem assunção de riscos e ações imediatas, sem muito tempo para dúvidas.
Posso afirmar que esse é um dos que mais me ensinaram. Durante o jogo inteiro você está em situações de crise e tendo que tomar decisões importantes, em momentos de esforço físico extremo. Além da sua decisão, você precisa contar com os companheiros de time pois, caso você tome uma decisão “X” e não tenha apoio, a chance de você perder a posse de bola, proporcionar um contra-ataque e provavelmente sair de maca é enorme. Nesse momento entra o planejamento. É ali que definimos os papeis de cada jogador, as estratégias de ataque e defesa, as coberturas para situações imprevistas. E no Rugby, os papéis dos jogadores são muito bem definidos, pois cada posição exige um físico e uma habilidade diferente. Se um ponta, que em média tem 90kg, for colocado na posição de um pilar, que pode passar fácil dos 120kg, o estrago pode ser grande. Para ambos.
Outro ponto importante é a disciplina. Existe apenas um capitão, e só ele fala durante o jogo. Não há abertura para discussões, reclamações com os juízes, conversas paralelas. O capitão é o responsável por fazer a comunicação com os juízes e orientar a equipe.
Lidar com situações imprevistas o tempo todo, tomar decisões assertivas de maneira rápida, manter o foco mesmo sob pressão extrema, apoiar decisões em prol do todo, liderar e saber ser liderado, são as principais lições que o Rugby me ensinou.
Surf: esporte individual, que exige muita autoconfiança. O surf é uma crise mais longa, que tem as etapas bem definidas e exigem decisões que levem em consideração o seu próximo objetivo.
O surf é você e a natureza. Não há apoio, não há equipe, não há adversário conhecido. Por mais que você estude o local onde irá surfar, cada onda é única e os elementos da natureza são imprevisíveis. Você depende somente da sua coragem, do seu conhecimento, da sua habilidade e do seu equipamento. Para isso, você precisa treinar muito fora da água. Fisicamente e mentalmente. Seu corpo precisa estar preparado para explosões de velocidade ao mesmo tempo que deve ter muita resistência. Você precisa conhecer as marés e correntes do local, bem como o equipamento mais adequado às condições que serão enfrentadas. Você precisa trabalhar a sua mente para manter a calma em situações críticas. Tudo isso faz parte do planejamento, fora da água. É isso que vai te dar a coragem e autoconfiança necessárias para enfrentar a natureza.
Dentro da água é o momento de colocar tudo isso em prática. Ao remar para o outside, a todo o tempo você precisa analisar o que vem pela frente e tomar a melhor decisão. Quando decide a onda que vai descer, você precisa tomar as decisões certas para aproveitá-la da melhor maneira. Se tudo correr dentro do esperado, perfeito, vamos para a próxima, mas se algo der errado, momento de manter a calma e lembrar dos treinos e planejamento. Um belo caldo pode te manter um bom tempo girando embaixo da água, e o desespero não vai ajudar em nada. Acrescente a isso a possibilidade da sua cordinha estourar ou a prancha quebrar, e você ser ver no meio do inside (onde as ondas quebram), sem o seu equipamento. De novo, momento de manter a calma e colocar os treinamentos em prática. Tomar a sua decisão baseada no que você tem planejado.
Quando sair da água, hora de refletir sobre o seu dia de surf. O que deu certo e o que precisa ser melhorado. Onde você acertou e onde errou. Por que errou? Hora de voltar aos treinos.
Planejar, treinar, capacidade de analisar os fatos rapidamente e tomar decisões tempestivas, ter calma para lidar com situações de estresse, conhecer os limites e habilidade para analisar e reconhecer erros e acertos, são as principais lições que o surf me ensinou.
É mais do que clichê, porém é fato, as crises não tem hora nem local para acontecer, e elas vão acontecer. Mais cedo ou mais tarde, todos terão que lidar com um evento de crise.
Na sua empresa, ela pode acontecer durante o dia, quando toda a equipe estiver lá para apoiar, mas também pode ser naquele pior momento, onde você terá que seguir o planejado sozinho.
Esteja preparado. Prepare a sua equipe. Prepare a sua empresa.
O planejamento prévio e os treinamentos são os únicos fatores que te darão condições de reagir da melhor forma a uma crise.
Por mais que a situação seja crítica e inusitada, se você conhecer bem o seu plano e a sua estrutura, tiver uma equipe preparada, ter a capacidade de fundamentar bem as decisões a serem tomadas, reconhecer os gaps e assumir as melhorias a serem executadas, o impacto da crise será mitigado com sucesso.
As situações de crise são naturalmente estressantes, sendo essencial assumir o controle do evento o mais rápido possível, ter coragem de assumir riscos, passar confiança para os demais envolvidos. Isso torna o tratamento da crise mais fácil e faz com que o foco permaneça na solução e não nos confrontos que possam acontecer.
O conhecimento adquirido através de estudos, cursos e livros, é a base para desenvolver o raciocínio e permitir que as pessoas absorvam esses novos conhecimentos, porém, o esporte ensina habilidades que não são adquiridas nos livros.
Ele permite que você pratique essas habilidades o tempo inteiro. Ele age na mente, gera autoconfiança e capacita você a lidar com a adversidade.
Eu sugiro que, além dos cursos técnicos, se você atua ou quer atuar com gestão de crises, busque um esporte que te permita adquirir e exercer as habilidades que serão necessárias para a função.
Se tem um conselho que eu dou com convicção, é, vá jogar Rugby (a copa do mundo vai começar em setembro), vá surfar, vá atrás de um esporte que te desafie, que te motive a reagir, a tomar decisões. Isso não vai só te capacitar para atuar com crises, mas vai fazer bem para a sua vida!!!
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